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segunda-feira, 21 de agosto de 2017 at 10:49
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sorte na vida

Hoje em dia tenho noção da dificuldade que é simplesmente ser mulher. Nascer com cromossomos XX implica em muito mais dificuldades de ascender e vencer na vida do que ter nascido XY.

Mas obviamente quando eu era criança eu não entendia isso. Sempre digo que, embora meus pais tentassem ser o mais igualitários possível em casa, era eu que sempre tive que lutar pelo o que eu queria. Não sei se era porque eu sou a mais velha ou porque sou mulher e meu pai tinha muito machismo imbuído na criação e cultura dele, ou os dois junto, mas fato é que quem saia brigando e lutando por tudo o que queria fazer era eu. Desde ir dormir na casa das amigas até começar a sair de balada. Tudo eu tinha que pedir, ouvir não, argumentar e convencer.

Eu sei que não posso reclamar muito da minha posição de privilégio, sei que muitas coisas são mais fáceis pra mim simplesmente por ter nascido na classe social "certa", mas hoje sei que eu não tenho acesso a todas as oportunidades que existem porque sou mulher, ou que o caminho é muito mais difícil só por causa dos meus cromossomos. Porém, ter que ter lutado tanto dentro de casa me preparou para a vida real, e me ensinou que se eu acredito que posso fazer algo, eu posso brigar pra fazer acontecer. E também talvez contar com um pouquinho de sorte, porque sorte nunca é demais e nesse quesito eu não posso reclamar muito não. Talvez eu sempre tenha estado no lugar certo, na hora certa.

Ultimamente tenho comparado minha situação com a do meu irmão, que é uma história que eu conheço de perto, praticamente todos os detalhes, e posso comparar com a minha sem medo. Quando éramos crianças, sempre tive ciúmes de ver que o machsimo do meu pai facilitava as coisas pra ele. Ou então meu irmão simplesmente aprendia com as minhas dificuldades e fazia o que queria, como queria, e depois aguentava as consequências, que pra ele valiam a pena. Não estou dizendo que a vida foi simplesmente fácil para ele, mas em comparação com a minha, com certeza só o fato de ser caçula e homem, os caminhos eram menos tortuosos e com menos obstáculos. Como é a vida de um homem branco típico.

E eu entendo porque as pessoas ficam chocadas de saber que ele está desempregado há tanto tempo. Enquanto eu fiz Turismo, meu irmão é Engenheiro, e não é por qualquer faculdade. Assim como eu fiz USP, ele fez Unesp e teve todo o apoio para se dedicar aos estudos e não sofrer para escolher os estágios que teve que fazer. Nossos caminhos sempre foram parecidos, mas eu sei que os dele sempre foram mais fáceis só porque ele era homem. E é de se esperar que se eu consigo emprego fácil quando procuro, ele deveria nadar em propostas enviadas a ele. Mas por algum motivo, não é bem assim que acontece. Desde que perdeu o emprego, pouco tempo depois que eu fui mandada embora (no ano que tirei meu sabático), eu cansei de ver meu irmão mandando currículo, refazendo currículo e participando de inúmeros processos seletivos, sem uma oferta final.

Minha mãe diz que eu tenho toda a sorte e que meu irmão ficou sem, além de ele não ser tão confiante nas entrevistas quanto eu. Entendo que depois de tanto tempo, é frustrante mesmo não conseguir convencer o entrevistador de que ele é a melhor escolha para a empresa, mesmo sabendo que é capacitado para as vagas. Eu mesma não consigo entender como é que, tendo tudo a seu favor, a vida dele não é mais fácil.

Depois de dar muito murro em ponta de faca, ele está indo para o Japão, porque as contas não se pagam sozinhas, e hoje temos que pensar no futuro do meu sobrinho. Mas não é o que ninguém imaginou pro meu irmão, mesmo nos momentos de birra entre irmãos. Sabemos que a vida na fábrica não é fácil, e que ele terá muito pouco tempo para o filho, que é o que a gente viveu com nosso pai, que embora não tenha ido paa o Japão, sempre trabalhou demais e não teve tempo de aproveitar a vida. A vida tem que ser mais do que trabalho e contas pra pagar, a vida é feita dos momentos de alegria compartilhados com quem a gente ama. E trabalhar em fábrica não foi o que ele escolheu pra vida. A vocação dele é a engenharia, e ele deveria ter tido a oportunidade de conseguir trabalhar na área, para ser feliz no trabalho, ao invés do ressentimento de tger que ter um emprego porque a vida impôs.

Antes que alguém critique, eu não estou diminuindo a vida do dekassegi, para quem escolhe essa vida, ela é boa, mas não é a escolha que ele quis fazer, nem para que meus pais nos prepararam. A gente não foi forçado a fazer faculdade, nem a fazer os cursos que fizemos. Então nossa escolha sempre esteve longe do chão de fábrica, mesmo que fosse para "pagar em dólar". NOssa realização tem mais a ver com a natureza do trabalho do que ganhar dinheiro. Cada um com seu cada qual.

Nunca na vida imaginei dizer algo como isso, mas estou bem chateada que meu irmão está indo embora e não vou vê-lo por tanto tempo =/

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that would be me. bye!

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Pode me chamar de Vy. Balzaquiana com cara de universitária. Turismóloga de formação. Rodinha não só nos pés, mas no coração também. Introvertida. Blogueira old school.

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